Essa é a terceira e última publicação dessa série sobre energia nucleoelétrica. Na primeira publicação dessa série, abordamos alguns aspectos sobre possíveis alterações dos planos de redução de uso de energia nucleoelétrica na Europa e sobre o plano de expansão brasileiro, enquanto na segunda, foram abordados alguns pontos a favor e outros contra essa fonte de energia.
Nessa publicação serão abordados alguns aspectos relativos ao ciclo de vida do urânio como combustível para usinas nucleares.
Antes de mais nada é preciso pontuar que a denominação “combustível nuclear” é atribuída às barras que contêm elemento fissionável e que são utilizadas nos reatores das usinas nucleoelétricas.
Produção do combustível nuclear
O processo de produção do combustível nuclear é longo e essa cadeia deve ser muito bem compreendida antes de se afirmar que as usinas nucleoelétricas entregam energia limpa. A Figura 01 mostra, de maneira geral, o ciclo do urânio como combustível nucelar.
A primeira etapa do ciclo é a mineração do urânio. No Brasil, a extração é feita em apenas uma mina, localizada no município de Caetité-BA. Após extração e moagem de rochas contendo esse elemento químico, o urânio é separado por um processo químico. O material resultante desse processo é chamado de yellowcake, e consiste em uma concentração de urânio.
O urânio se apresenta de 23 diferentes formas na natureza; o isótopo mais pesado é o 242U, enquanto o mais leve é o 217U. As três formas mais comuns são os isótopos 234U, 235U e 238U, sendo que o 235U é urânio utilizado como combustível nuclear. O material concentrado resultante da extração possui uma concentração de cerca de 0,7% de 235U.
Para que o urânio possa ser utilizado como fonte de energia em uma usina, deve-se ter uma concentração de cerca de 5% de 235U, ou seja, o yellowcake não pode ser utilizado diretamente como combustível nuclear.
Para que o processo de enriquecimento de urânio possa ser realizado, o yellowcake passa por um processo de purificação e então é convertido em hexafluoreto de urânio (UF6) e é esse gás que passa pelo processo de enriquecimento.
O enriquecimento consiste em aumentar a concentração de isótopos 235U e esse processo é, em essência, uma separação de material pesado. Nas ultracentrífugas de enriquecimento de urânio, os isótopos de interesse são concentrados até a concentração de 5%.
O gás resultante, já com a concentração desejada, é convertido em dióxido de urânio (UO2), que é o pó que será utilizado no processo de fabricação das pastilhas que irão compor as barras de combustível nuclear. A obtenção do dióxido de urânio é complexa; o hexafluoreto de urânio passa por vários processos físico-químicos e o produto final, chamado de pastilha verde, é sinterizado.
As pastilhas são, então, montadas em tubos de uma liga metálica chamada de zircaloy. Esses tubos, chamados de varetas, são montados em estruturas que serão inseridas nos reatores.
Vida útil do combustível nuclear
O combustível nuclear, utilizando as usinas brasileiras como referência, têm vida útil de aproximadamente 3 anos. E é após esse período que o material ionizante é considerado como uma grande dor de cabeça.
Os resíduos nucleares precisam ter uma destinação, obviamente, correta e controlada, pois o material radioativo oferece riscos por milhares de anos.
Após ser retirado de um reator, o combustível nuclear é mantido em piscinas por no mínimo 5 anos. Essas piscinas, localizados em anexos aos reatores, são responsáveis por conter a radiação e por diminuir a temperatura das barras de combustível. Após o período de resfriamento, o material, no Brasil, está sendo armazenado em sistemas chamados de UAS (Unidade de Armazenamento Complementar a Seco de Combustível Irradiado). Esse sistema é composto por vários módulos e o Brasil tem planos de implantação de sistemas como esse para armazenar resíduos até 2045.
Obviamente os materiais contaminados precisam ser descartados, mas é importante avançar em direção ao domínio dos processos de reciclagem de combustíveis nucleares. Esse é um meio que pode reduzir os impactos em toda a cadeia de obtenção do combustível nuclear e, claramente, reduzir os problemas relativos à destinação de resíduos.
Reciclagem do combustível nuclear
O reprocessamento do combustível nuclear é bastante complexo. Como ainda há muita energia disponível no material irradiado, que é retirado dos reatores nucleares, investir no reprocessamento é bastante interessante, do ponto de vista energético.
Com estudos iniciais que datam da década de 1940, o reaproveitamento do urânio tinha fins bélicos, cujo objetivo era a separação de plutônio, para utilização em armas nucleares. Atualmente, o reprocessamento de combustível nuclear tem como objetivo reciclar o combustível para as próprias usinas nucleoelétricas.
Fechar o ciclo do urânio pode ser a chave para ter uma fonte de energia mais limpa e mais segura? Os impactos ambientais decorrentes da extração e beneficiamento do urânio sofreriam importante redução, tornando as usinas nucleoelétricas mais interessantes do ponto de vista ambiental?
Conclusão (ou não!)
Enfim, após os três posts sobre a energia nuclear, pode-se ver que muitos pontos ainda precisam ser discutidos e mais bem compreendidos por todos, para que se possa ter uma opinião mais assertiva sobre os benefícios e malefícios dessa fonte de energia.
Em nossa primeira postagem há o comentário de um leitor, que pede nossa opinião sobre essa fonte de energia e outras. Eu, esse que escreve o post e não a LTI, considera importante avançar as pesquisas de combinação de usinas nucleoelétricas de pequeno porte à sistemas de obtenção de hidrogênio verde (nesse caso, então, o “correto é classificar” como hidrogênio rosa). Eu, Everton, acredito que esse pode ser um caminho promissor na direção de se obter energia elétrica de forma mais limpa e mais barata, mas, para tanto, os processos de reprocessamento de material irradiado precisam passar por amadurecimento tecnológico, diminuindo, assim, os problemas que se apresentam após o descarte do combustível nuclear.